Dois Larps para a #JAM_64NUNCAMAIS

Criei esses dois jogos larps para a #JAM_64NUNCAMAIS promovida pela editora coisinhaverde para não esquecer a ditadura civil-militar (1964 - ????)

Esses jogos podem se passar durante a mencionada ditadura, caso o grupo de jogadores esteja familiarizado com o período e se sinta a vontade para viver esses enredos ali... ou ainda, na próxima ditadura, situada aqui, para fins poéticos e dramáticos, no ano de 1964 2048.

Para ter ambas as experiências, eu recomendo que se jogue A VIDA DOS OUTROS nos anos 1970, após o AI5 (ou mesmo em 1968, como desdobramento direto do ATO)  e SEGREDOS DE LIQUIDIFICADOR em 2048. Se os jogadores não se sentirem a vontade para brincar com o contexto real do Brasil nos anos de chumbo, recomendo que experimentem a liberdade criativa de jogar em 2048 (uma boa pedida pode ser evitar dar detalhes demais sobre o contexto e se concentrar em ações e relações).

A VIDA DOS OUTROS

UM GRUPO SUBVERSIVO SE REÚNE NUM APARELHO (um apartamento ou similar) PARA DEBATER OS PRÓXIMOS PLANOS DE SUAS AÇÕES. SÃO INTELECTUAIS, ATORES, ESTUDANTES, TALVEZ ENTRE ELES, ALGUMA DISSIDÊNCIA MILITAR? O TEMPO TODO, SÃO OBSERVADOS E ESCUTADOS, SEM SABER, POR UM AGENTE DO REGIME, ESPECIALMENTE DESIGNADO PARA IDENTIFICAR E ANTECIPAR SEUS PRÓXIMOS PASSOS.


Este é um enredo para no mínimo 3 pessoas.
Pode ser vivenciado em uma casa ou apartamento, ou, alternativamente, em qualquer outro lugar fechado (ou que represente de alguma forma um lugar fechado, uma casa)
O larp pode durar algumas boas horas, a depender do andamento que o grupo dará a ele.

Um dos participantes será um AGENTE DO ESTADO. Os demais, INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA. Se esse agrupamento de pessoas realmente se configura enquanto uma célula terrorista, isso será definido em jogo. De todo modo, é assim que eles são classificados pelo regime.

Para começar
Os participantes definem quem será o AGENTE DO ESTADO.
Os demais serão os INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA.

perceba, mesmo que o jogo se passe entre os anos 1960 e 1980, o AGENTE DO ESTADO pode ser uma mulher.

AGENTE DO ESTADO

Você é um militar exemplar. Mas não é um guerreiro ou um combatente. É um homem de escritório. Um trabalhador. Quase um burocrata. Não se identifica, em nada, com a face violenta do regime. Mas é absolutamente apegado à ordem, à paz e especialmente, à harmonia.

Você foi designado, pela confiança que seus superiores tem em você, para uma missão de suma importância para a segurança nacional. Durante o tempo que for necessário, você acompanhará dia após dia de tudo o que acontece num determinado apartamento onde um grupo de terroristas se reúne. Você ouvirá todos os seus diálogos a partir de escutas que foram espalhadas pelo apartamento. Ao final de todo dia você deve enviar um relatório com tudo aquilo que pode ser importante ao regime, ou seja, uma questão de segurança nacional.

Da mesma forma, há qualquer momento, você pode contatar seus superiores caso se trate de uma urgência.

Na prática, você andará invisível em meio aos outros jogadores. Poderá escutar suas conversas livremente, e inclusive ver todas as suas ações (embora ficar escondido ou discreto seja bastante recomendável, para não inibir as ações dos demais jogadores... seu personagem não está lá).

Todo o jogo acontecerá por capítulos que representam dias na vida desses personagens. Para eles, um dia-a-dia vigoroso. Para você, uma experiência de voyerismo e isolamento - e, ao mesmo tempo, trabalho.

INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA

Vocês vão se reunir para criar seus personagens. Quem são vocês? Por que se reúnem no aparelho? O que é o aparelho? A quem ele pertence?

Cada jogador terá um personagem fixo. Pensem quem são esses personagens em conjunto e como eles podem constituir um grupo que chamaria a atenção do regime. Vocês estão tramando alguma coisa? Participaram de algum ato terrorista, de luta armada, de organização sindical ou política? São um movimento de arte de vanguarda? Um grupo de amigos que está estudando como libertar um amigo em comum, preso nos porões dos torturadores? Um grupo de apoio formado por pessoas que perderam entes queridos para o regime?

Discutam, deixem a imaginação fluir e definem quem são seus personagens, mas deixem os detalhes para o desenrolar do jogo. O grupo pode ser mais ou menos heterogêneo. Todos podem ser estudantes, ou pode haver um escritor, sua mãe e um colega militar... deixem fluir. Orientem-se pelos desejos de vocês. Vocês conduzirão o enredo.

O trabalho de vocês em relação ao AGENTE DO ESTADO é ignorá-lo. Durante todo o jogo, seus personagens NUNCA se relacionarão com ele - a menos que o JOGADOR que o representa diga explicitamente o contrário.

Na prática, o JOGADOR que atua como o AGENTE DO ESTADO estará presente no aparelho durante todo o jogo, mas não o personagem dele. Obviamente, isso quer dizer que seus personagens estão sendo observados o tempo todo, mas não sabem. Tenham isso em mente. Em algum momento, eles podem desconfiar que estão sendo monitorados de alguma forma mas nunca acharão provas disso, a menos que o JOGADOR que atua como AGENTE DO ESTADO diga explicitamente o contrário.

OS CAPÍTULOS

O larp se estrutura em Capítulos. Cada Capítulo corresponde a um dia (um intervalo de algumas horas ou mesmo alguns minutos relevantes naquele dia) no aparelho. Um (ou mais) dos INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA dará início ao Capítulo. Todos os INTEGRANTES não precisam estar presentes em todos os Capítulos. Eles se reúnem ali para combinar os próximos passos, trocar impressões sobre o cenário político e contar uns aos outros sobre suas atuações.

O JOGADOR que atua como O AGENTE DO ESTADO estará presente em todas os Capítulos, a menos que ele diga explicitamente que não estará na próxima (e então, nesse caso, ele deve se ausentar do local em que transcorrem os Capítulos) ou deixe o espaço deliberadamente durante a ação.

Depois de encerrada a interação entre os INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA, o AGENTE DO ESTADO tomará alguns minutos (nos quais ele pode fazer anotações) para descrever para todo o grupo de jogadores o que aconteceu entre o Capítulo que acaba de se encerrar e o seguinte.

Os jogadores que atuam como INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA devem então preparar o próximo Capítulo levando em consideração do que o jogador que atua como O AGENTE DO ESTADO lhes disse.

Ou seja, cabe aos INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA representar seus personagens coabitando no aparelho enquanto comentam suas ações e ações relevantes do regime. Ao AGENTE DO ESTADO, cabe ouvir atentamente as conversas dos INEGRANTES e, fora de seu personagem, dividir desdobramentos do enredo com os demais jogadores. Todos os jogadores criam o enredo de A VIDA DOS OUTROS, os INTEGRANTES fazem isso enquanto representam seus personagens, o AGENTE faz isso _fora do personagem_. Todos podem improvisar livremente suas contribuições desde que levado em conta as contribuições dos demais jogadores.

O jogo termina quando o enredo chegar a um final satisfatório ou quando o tempo reservado pelos participantes se esgotar. Alternativamente, se os participantes desejarem, eles podem se reunir em mais ocasiões para dar continuidade à história, até que ela chegue a um final satisfatório - isso poderia permitir, inclusive, trazer novos jogadores para o grupo (acrescentando novos personagens à CÉLULA

EXEMPLO

Reunidos no aparelho enquanto tomam um café sentados no chão da sala, Márcia e Lucas (as personagens de Amanda e Leonardo, respectivamente) discutem detalhes do assalto à banco que participarão no dia seguinte com Jaime e Nestor (Jaime não tem um jogador que o represente, Nestor é o personagem de Daniel, que não está participado desse capítulo, pois decidiu observar de fora). Enquanto isso, Laís (a jogadora que atua como a AGENTE DO ESTADO) está em pé, no corredor, de onde não pode ser vista pela dupla, mas consegue ouvir tudo. Márcia e Lucas se levantam e Amanda e Leonardo põe fim ao capítulo fazendo com que seus personagens se despeçam. Laís então descreve que, no dia seguinte, ao se aproximarem do baco escolhido para o assalto, haviam muitas viaturas de polícia no local - e a operação foi abortada. Os jogadores que atuam como os INTEGRANTES DA CÉLULA TERRORISTA deliberam que no próximo Capítulo os três personagens estarão presentes e que Nestor, o personagem de Daniel, vai estar falando ao telefone com Jaime para discutirem o que pode ter acontecido e o que fazer a partir de agora.

. . .

referências:
os filmes a vida dos outros (florian henckel von donnersmarck,2007),
ação entre amigos (beto brant, 1998),
o grupo baader-meinhof (uli edel, 2008) 


SEGREDOS DE LIQUIDIFICADOR

EM UM INTERROGATÓRIO QUE SE ARRASTA POR DIAS, TALVEZ SEMANAS OU ATÉ MESES, A ÚNICA PESSOA QUE O PRISIONEIRO EXAUSTO VÊ É SEU ALGOZ. AO MESMO TEMPO, DEPOIS DE ARREBENTAR AS PORTAS DE SUA MENTE E PENETRAR À FORÇA A INTIMIDADE DE SEU PRISIONEIRO, O INTERROGADOR NÃO DESEJA ESTAR COM MAIS NINGUÉM. 


Este é um larp para 2 pessoas. Em grupos maiores, pode-se também fazer diversas duplas, seja formando uma plateia, seja jogando simultaneamente ou mesmo alternando os pares.
Pode ser jogado em qualquer lugar, mas recomenda-se que seja jogado pela dupla num lugar fechado, o mais vazio possível.
As duplas representarão os papéis de um PRISIONEIRO do regime e seu algoz, um OFICIAL de alta patente e de absoluta confiança do alto comando militar.

Para começar,
Ambos os jogadores devem criar seus personagens juntos. Não preencham todos os detalhes antes do jogo começar, deixem que o diálogo entre os personagens vá estabelecendo quais são as verdades (ou não) sobre eles. Por ser uma situação de tensão e segredo entre apenas duas pessoas com um imenso desequilíbrio de poder entre elas é muito possível que algumas verdades nunca venham a tona - ou melhor, que mal se possa determinar uma verdade.

perceba, mesmo que o jogo se passe entre os anos 1960 e 1980, tanto o PRISIONEIRO quanto o OFICIAL podem ser de qualquer gênero. Eu não conheço relatos de uma mulher que tenha agido como torturadora ou mesmo como carcereira durante a ditadura civil-militar brasileira... mas isso não deve ser motivo para inibir uma participante caso ela queira desempenhar esse papel neste enredo. Da mesma maneira, sugere-se fortemente que não se recorra "ao automático" quanto às perspectivas mais convencionais de gênero no que diz respeito à relação entre ambos os personagens. Ambos podem ser homens, ambos podem ser mulheres e qualquer um deles pode ser tanto homem como mulher - ou seja lá como esse personagem de identifique e seja identificado pelo outro. Se os participantes acharem interessante, conversem sobre isso.

PARA DECIDIREM JUNTOS


Sobre o PRISIONEIRO, quem é essa pessoa? Por que ela foi presa e em quais circunstâncias? O que o OFICIAL pretende descobrir dela? Porque ele presume que ela tenha essas informações?

> as conversas começarão a partir desses temas, por isso é importante tê-lo razoavelmente definido entre ambos os participantes.

Sobre o OFICIAL, qual é o temperamento e personalidade? Como é o comportamento dele enquanto estão juntos? É uma pessoa publicamente conhecida? Ela e o PRISIONEIRO já haviam se encontrado antes?

Sobre o CATIVEIRO, ele é um prédio oficial do Governo? O Porão de um deles? Ou é uma casa particular? Está em um ambiente urbano ou rural? O PRISIONEIRO sabe se há vigias ou se está preso sozinho? As visitas acontecem sempre no mesmo horário ou variam? Lembrem-se: ninguém além do OFICIAL tem contato com o PRISIONEIRO.

Os jogadores não devem representar o início do período de cativeiro. O larp começa quando as primeiras sessões de tortura já esgotaram as possibilidades de obter informações meramente pela força - bem como de resistir àsinvestidas através da violência.

O PRISIONEIRO

Você está preso há muitos dias, talvez semanas, quem sabe meses. Nesse tempo todo você só viu uma pessoa: seu algoz. É ele quem lhe traz comida, água e que provê o que quer que seja que você tenha tido acesso nesse tempo. Nem mesmo animais você viu nesse período. Nem mesmo um rato. Talvez uma mosca, uma barata.

Seu algoz é o mais parecido com outro ser humano que você tem hoje. Você não tem qualquer perspectiva de sair daí e já começa a delirar. Aos poucos, você vai esquecendo da sua vida antes do cativeiro - e a única forma de se ligar novamente a ela é... contando-a ao seu agressor.

Ele lhe fará perguntas sobre sua família, sobre seus amigos, seus companheiros de luta, sua vida profissional, íntima, secreta... Você irá responder. Você não quer prejudicar ninguém, mas o único recurso que você tem é falar mais, falar outras coisas, coisas que não levarão seu algoz onde quer, mas que te levarão, de alguma forma, ao encontro do que você perdeu.

O OFICIAL

Você não queria estar nesse lugar, mas sabe a importância dele. Você está aí para servir e proteger. E é isso que você está fazendo. Mas não te dá prazer nenhum ser uma pessoa violenta. Você sabe ser violento, é claro. Mas isso não te dá prazer. É o seu trabalho. Também não te dá desprazer nenhum. Um açougueiro tem que cortar o boi, e um dentista tem que arrancar os dentes. Cada profissão tem suas dificuldades que aos outros podem parecer repulsivas. Você não se alegra, mas não tem repulsa. Faz o seu trabalho e faz bem.

Mas você já não sabe bem o que fazer com seu prisioneiro. Ele não quer colaborar. E ao mesmo tempo, é um ser humano. Mesmo que você o torça como um trapo, além de sangue, escorrem pelo corpo dele lágrimas, angústias, amores e até mesmo, quando muito, uma alegria. 

Você se pergunta, hoje, se não seria mais fácil extrair o que precisa saber por uma abordagem diferente. O prisioneiro não pode sair. Você pode negociar com ele notícias sobre o lado de fora?

Talvez ele queira atenção. Mandar uma mensagem para alguém. Você acredita que talvez possa amolecê-lo. Na verdade, você já se afeiçoou a ele. É possível que quem tenha amolecido tenha sido você. Pelo menos ali, no cativeiro, onde só há você e ele e ninguém para ser testemunha. O mundo lá fora já é muito bruto e lhe cobra embrutecimento o tempo todo. Dentro dessa sala você talvez tenha descoberto algum espaço para a sensibilidade.

CAPÍTULOS

Segredos de liquidificador é estruturado em Capítulos. É possível resolver o jogo em um único capítulo de 15 minutos, ou de 2 horas, assim como é possível estender por um número qualquer de capítulos com qualquer duração.

Cada Capítulo é uma visita do OFICIAL ao cativeiro onde está sendo mantido o PRISIONEIRO. Antes do Capítulo começar, os jogadores devem estabelecer (capítulo-a-capítulo) juntos e de comum acordo qual é o estado do prisioneiro. Por exemplo, se o jogador que atua como o OFICIAL desejar que o prisioneiro esteja sentado numa cadeira com as mãos amarradas nas costas, o jogador que atua como o PRISIONEIRO pode muito bem dizer que não se sente a vontade nesse posição, e ambos precisarão procurar uma alternativa para isso na narrativa. O limite é sempre o não do outro

Por esse motivo, representação de TORTURA não pode ser desempenhada pelos jogadores quando estiverem representando fisicamente seus personagens. Mas um capítulo pode sempre começar logo depois de uma sessão de tortura ou terminar antes de uma - desde que ambos os jogadores estejam de acordo.


O jogo termina quando o OFICIAL descobre a informação que quer ou convence-se que o PRISIONEIRO não a tem - ou não será possível obtê-la. Depois do Capítulo em que isso acontecer, deverá haver um EPÍLOGO: o Oficial visita o PRISIONEIRO pela última vez para lhe contar o seu destino (será solto? executado? permanecerá preso?).

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